O terceiro capítulo de nossa saga: o aleitamento materno e as maternidades. Como anda essa parceria?
15/07/2013
Dr. Daniel Becker
Capitulo III
A Maternidade Mal-Assombrada
Uma outra causa frequente da dificuldade de amamentar é o excesso de cesáreas, do qual tanto falamos aqui no Pediatria Integral: um crime contra o qual a mulher e a sociedade brasileira finalmente começam a reagir. Na verdade já falamos em cultura da cesárea, já que – do mesmo modo que na cultura do leite em pó – as mulheres foram envolvidas pelos mitos criados pela obstetrícia e hoje em dia muitas pedem para marcar sua cesárea acreditando que ela é melhor. Sequer esperam pelo sinal de que seu filho está pronto para nascer: em vez de esperar o trabalho de parto, cesáreas são marcadas por conveniência, com base em dados de ultrassonografia ou idade gestacional muitas vezes falhos, sujeitos a grandes erros – e haja vaga para prematuros nas UTIs. Promessas de parto natural não cumpridas, equipes que constrangem mulheres em trabalho de parto um pouco mais prolongado a concordarem com a cesárea, não aceitação de acompanhantes…. são muitas histórias, algumas aterradoras.
As alegações se transformam em crenças, crenças em verdades absolutas: parto normal é perigoso, não podemos esperar o trabalho de parto, dói demais, algo terrível pode acontecer se o bebê começa a sair, já tem 40 semanas, podemos não encontrar vaga (e você vai parir na rua?), podemos ficar presos no trânsito, o bebê pode ter uma circular, não está descendo, não está dilatando, dói demais, você já fez cesárea antes e não pode mais ter parto normal, pode romper o útero, o períneo, ficar larga demais… Um monte de mentiras que adquirem valor de verdade depois de repetidas milhares de vezes.
O fato é que no setor privado, no Rio de janeiro, 93 % dos partos são cesáreos (contra 15 a 20% em países “normais” como França, Holanda, Dinamarca, etc). Uma grande cirurgia, que deixa a mulher muitas vezes com mais dificuldade de amamentar: retarda o leite, tem resíduos anestésicos, trauma cirúrgico, dor, complicações desnecessárias, remédios desnecessários. A mulher em pós trauma cirúrgico, dolorida por cortes profundos em seu corpo, anestesiada e cheia de remédios circulando em seu organismo tem em geral muito menos condições físicas e emocionais para iniciar a amamentação. E a cesárea muitas vezes envolve um bebê arrancado do útero cedo demais, antes do trabalho de parto natural, e que acaba numa UTI, ou com dificuldades de sugar. Além de outras desvantagens já bem documentadas para a mãe e o bebê.
Na maternidade, é comum o bebê ser afastado da família, ser levado para o berçário e só vir à mãe horas depois. Muitas vezes chora no berçário e acaba ganhando uma mamadeira de presente de auxiliares de enfermagem ávidas de paz e silêncio. Nas primeiras 24-48 horas o seio produz colostro, que flui devagar, em pequenas quantidades mas é extremamente rico em nutrientes e defesas. Como o fluxo é lento, o bebê suga o tempo todo. E não é que aparece alguém para dizer “olha aí, ela não sai do peito, deve estar com fome… vamos dar uma mamadeirinha?”. Foi-se a confiança, foi-se colostro, começa a confusão de bico e um ciclo vicioso se instala, que tantas vezes termina no desmame.
Alguns antídotos: acredite em você, no seu leite. Sim, você pode – com o devido apoio. Verifique ao menos se seu obstetra faz partos normais – muitos deles hoje em dia simplesmente só fazem cesáreas (lembrando – o parto cirúrgico existe para salvar vidas e evitar complicações em situações de alto risco, não para ser um procedimento padrão a priori). Converse com o pediatra do parto no pré-natal, pergunte a ele sobre amamentação, e de que forma ele pode ajudar você a amamentar. Se ele parecer não dar muita importância à questão… E muito importante: sempre que precisar, procure instituições, grupos ou profissionais especializados no apoio à amamentação (a seguir).
No próximo capitulo: a vida moderna e as dificuldades para amamentar. A solidão e o sufoco. A arrogância da nossa civilização e as dificuldades da mulher nos cuidados com o bebê. A teoria do campo de possibilidades: tudo pode acontecer entre uma mãe e seu bebê; o importante é entender onde está e encontrar a ajuda apropriada. E a ajuda é da melhor qualidade.