Amamentar é - aleitamento materno | por Chris Nicklas

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Desenvolvimento do bebê /Dr. Daniel Becker

Seis meses: A primeira crise Vital… e os dentes

Será que a culpa é sempre deles?

  • 03/09/2014
  • Dr. Daniel Becker

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Febre sem outro motivo: é dente. Choro excessivo: dente. Começou a acordar toda hora: certamente são os dentes. Não tira a mão da boca: dente. Baba litros: dente. Está com febre, diarreia, prisão de ventre, manha, insônia, birra: tudo é por causa do dente.

Coitado do dente! Esses ossinhos superestimados são responsabilizados por muito mais do que podem realmente provocar.

A vida do bebê corre tranquila entre mamadas, passeios e sonecas até perto dos 6 meses. Ali vai começar uma revolução – e justamente nesta época estão surgindo…. os dentes! Aí temos material pra muita confusão.

Veja como se configura a crise dos 6 meses:

1 – Desmame: o fator mais crucial. O bebê vai começar a se distanciar do seio materno, sua primeira e ainda principal ligação com a vida até então. Ele continua mamando no seio, mas vai começar a provar outros sabores, outras consistências, colher em vez de seio, cadeira em vez do aconchego dos braços e colo maternos… convenhamos que só esta perda/mudança que já é motivo bastante para um certo estranhamento e mal-estar. O dente não tem culpa.

2 – A boca, centro do mundo do bebê, vai começar a experimentar não só sabores diferentes, mas consistências diferentes: o pastoso, o sólido. Vai ter que deglutir em vez de sugar. Isso muda tudo – a língua, que sempre foi projetada pra frente, vai ter que ir para trás. Nossa, tudo muito estranho. E não é o dente.

3 – Posição: até aqui o bebê ficava em repouso na horizontal. Aos 6 meses ele começa a sentar. Veja que mudança radical: a perspectiva do mundo, que era horizontal, passa a ser vertical. O mundo vira de cabeça pra baixo, literalmente. Não, o dente não tem nada a ver com isso.

4 – Em nossa sociedade, neste momento a maioria das mães já terminou sua licença, já gastou suas férias, já usou os 15 dias de amamentação, já enrolou o patrão, e agora não tem jeito: vai voltar a trabalhar. Essa figura, que me gestou e me embalou e amamentou e cuidou até agora, vai sumir oito, dez, doze horas por dia. Me aparecem outras figuras meio estranhas por aqui: pai, avó, babá, tias… Se isso não é motivo para uma tremenda crise… e nada de dente.

5 – Creche: além de perder o contato com a mãe em boa parte do dia, muitos bebês nesta idade são colocados na creche. Ambiente estranho, cuidadores diversos, gente demais, vírus demais, comida esquisita, diferente lá de casa, outros bebês, atividades estranhas… e o dente é que é o problema?

6 – Aos seis meses começam a desaparecer os anticorpos maternos do tipo IgG, que foram transfundidos durante a gravidez e protegem o bebê das doenças que a mãe já teve. São a sua principal proteção nos primeiros meses, mais importantes que leite materno ou vacinas. Resultados: começam as doenças. Febres, mal–estar, diarreias, dores, incômodos, medos. E você achando que era o dente.

7 – Aos 3-4 meses se intensifica a fase oral do bebê. Ele adquire controle sobre as mãos e vai colocá-las na boca o tempo todo. O tempo todo. Quando ele pegar objetos, vai colocá-los na boca. O tempo todo. É sua tarefa, é sua condição inata, sua necessidade, é a etapa de seu desenvolvimento – e seis meses é o pico. E vai assim até em torno de um ano. Se ele não colocar a mão na boca tem algo errado. Isso tudo não tem nada a ver com dentes. Além disso, nesta fase o bebê produz litros de baba. O tempo todo. E nada disso tem qualquer relação com o dente. Aliás, é bom evitar tirar a mão dele da boca para colocar uma chupeta. E em vez do colar de âmbar, que pode causar acidentes como sufocação ou engasgo, melhor usar um mordedor apropriado.

8 – Nesta época há uma fase em que o sono do bebê fica mais superficial. Ele acorda mais vezes durante a noite: faz parte. Se ele está acostumado a dormir no berço, muitas vezes acaba voltando a dormir. Mas se só dorme no colo ou no seio materno, vai pedir o colo ou o seio a cada vez que acordar. (pense nisso quando ele tiver 3 meses…). De qualquer forma, não é o dente que o acorda.

9 – Aos seis meses o bebê está começando a vivenciar a formação do seu ego, de acordo com a teoria psicanalítica. Até aí ele, o mundo, papai e mamãe eram uma coisa só, tudo cabia dentro de si. Agora tudo passa a estar do lado de fora. O seu ego se delimita e se a mãe não está à sua frente, ela não está. Ela é ausência. Daí a tal angústia de separação, que surge um pouco depois, daí o estranhamento de pessoas não familiares, ou mesmo familiares. Quem não viveu (ou vai viver) a cena clássica do pai que entra no quarto da filha para acalmá-la e ela berra mais ainda, o grude na mãe, a constrangedora recusa do colo do avô? Tudo isso tem relação com o processo que se inicia nesta idade.

É possível que você já tenha se dado conta que atribuir tudo aos dentes é um tremendo simplismo. Então melhor pararmos de colocar geleinhas anestésicas à toa. Claro, quando os dentes surgem, podem causar incômodo, aumento da salivação, choro, irritabilidade, febrículas. Mas dificilmente são responsáveis por mais do que alguns distúrbios sem maior importância.

Por outro lado, a coisa mais importante em relação aos dentes a gente muitas vezes esquece: escovar. E a escovação mais importante é aquela feita antes do período principal do sono. É DEPOIS da ultima mamada ou refeição que devemos escovar os dentes da criança. Senão, ela fica com a lactose do leite (um açúcar) aderida ao esmalte no momento em que saliva menos (o sono). E a saliva é a principal proteção dos dentes. Especialmente se uma criança já tem dentes posteriores, e mama e dorme sem escovar, está em alto risco para a “cárie de mamadeira” – problema comum e bastante incômodo.

Pra terminar: podemos e devemos usar pasta de dentes com flúor desde o início. A Academia Americana de Pediatria, uma importante autoridade mundial no campo da saúde da criança, acaba de publicar as seguintes recomendações:
– dentifrício fluorado é recomendado para todas as crianças a partir da erupção dentária;
– uma pequena quantidade, do tamanho de um grão de arroz, deve ser usada da erupção até os 3 anos. Depois de 3 anos de idade, uma quantidade do tamanho de uma ervilha.
– os pais devem colocar a pasta na escova e realizar a escovação.

Vamos então colocar os dentes em seu devido lugar, a boca, e escová-los do jeito e na hora certos.

Enquanto isso, compreender as dimensões da crise dos seis meses permite que você ajude seu bebê a atravessá-la com mais tranquilidade, fazendo dela uma etapa bem vivida de seu desenvolvimento físico, mental e emocional.

 

Acompanhe o trabalho do Dr Daniel Becker por aqui: Pediatria Integral